quarta-feira, 27 de março de 2019

O velho moínho



Do ribeiro que corria no limite visível da rocha que se estendia ainda dois metros para lá dos seus pés, retinha os murmúrios do apressado das águas. Deitado de costas na rocha lisa olhava para o céu onde flocos cinzentos claros de nuvens se recortavam no azul mais azul que ele conhecia: o céu de Lamadeiras.
Envolto por amieiros e encimado pelo velho e desativado moinho, o ribeiro criava um pequeno lago que refletia o verde escuro das folhas de carvalho que começavam a despontar naquela altura do ano. Era bom regressar aqui. Como se sentia em paz com o seu reino! Que bom era beber o ar das origens! Para que inventamos coisas quando a felicidade é tão pouco?

quinta-feira, 21 de março de 2019

O rosto




Risco no vácuo da distância
Linhas que contornam o desejo
O aprisionam num lampejo
Eterno que se esgota num segundo

Efémero, é verdade
Mas intenso, contendo o mundo
Por esses olhos onde brotam infinitos
Cadentes, brilhantes, desumanos

E nada para além deles existe
Pois mesmo nada mais é necessário

Tudo contido num imaginário
Rosto, fino, belo que existe!

segunda-feira, 11 de março de 2019

O caminho




E se um dia acordasse a primavera
Desdobrasse as rugas de fevereiro
Num canto arrumasse adventos
Outonos que ecoam eternamente
E no armário do passado os enterrasse

Verdes, calmos, desenharia caminhos
Suspensos por estrelas brilhantes
Que nem aurora nem destino indicassem
Nada, nada, nada.
Tudo seria uma viagem
Percorrida entre os equinócios esquecidos
Projetada no universo intemporal
Recortada pela luz do infinito
O caminho seria tudo!