sábado, 24 de março de 2012

Para trás das costas


"E, enquanto bebia em pequenos goles o restante vinho do copo, pegou numa caneta e escrevinhou num cartão de publicidade do restaurante:

Do instante que vagueia em colorido
Das sombras que já foram e esmoreceram
Vai-se o toque do inconstante foragido
Ressuscita embalado o eterno ar
De quem o alento já tinha perdido

E com ares de Primavera ausente
Eis que surge com presunção de Vitória
Não passando de eterno, vivo, mas dormente
Desperta em ti a vontade que desmente
Que a Batalha só se vence com a Glória


Era uma inconstante e escarnecedora contradição. O homem do dinheiro, o gestor de futuros, era na escrita sempre que encontrava o seu escape. Afinal tudo não passava de um palco onde cada um desempenhava o seu papel, vendia a sua alma e tentava sobreviver.
Um dia, quem sabe, dedicar-se-ia a escrever. Mas não por agora. A mágoa não o deixava e o orgulho tolhia-lhe a iniciativa.
Guardou o papel no bolso de trás das calças, não tinha ainda decidido que futuro lhe dar."

Armando Sena

2 comentários:

trepadeira disse...

O homem do dinheiro só podia guardar a poesia no bolso de trás das calças.

Um abraço,
mário

Anónimo disse...

Uns com tudo, outros sem nada.
Que passe para mim a veia poética.