quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Fluir entre o nada e o infinito



De dentro vem o chilrear dos tempos
Das coisas que sozinhas se desvendam
Do som da chuva retenho a lembrança
De dias em que apenas um sorriso era tudo
Em que um gesto desvendava o infinito
O lento deslisar no insensível cristal brilhante
Que ganhava vida em letras espontâneas
Sílabas que ditavam sensações
Palavras que escorriam ávidas
Frases que mesmo incompletas
Diziam o que faltava nos dias sombrios
Criavam tremores
Ditavam receios
Alimentavam a alma

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Sombra



Escondes-te atrás de um gesto despreocupado
Em vão, pois não é o contraluz que te elimina
Rendes-te, num simples esmorecer 
Mas moves-te, és vida, fixas a lembrança
És raio de sombra, em contraponto
que a vida não é só de figuras principais
e ao infinito nos leva a vontade.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Eternamente




Nada nos é tão próximo e intrinsecamente ligado como o dia do nosso aniversário. Connosco nasce e, por vezes, connosco morre.
Por vezes, sim, porque bastas vezes perdura para além do aniversariante. Para muitos, pouco mais que horas, para outros, meses, até anos. Para muito poucos, perdurará eternamente.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Arçã




Nas encostas que rodeavam a aldeia despontava um manto alvo de flores. As giestas, numa orgia de cor branca, criavam a sensação de que as nuvens pousavam na terra. Não se posicionavam entre a lua e um qualquer sentimento terreno, mas tomavam elas próprias um lugar físico, palpável, perto de si.
A arçã ou rosmaninho, como se quisesse apelidar esta planta com flor icónica que a transformava quase que numa bandeira de orgulhosa interioridade.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

quarta-feira, 27 de março de 2019

O velho moínho



Do ribeiro que corria no limite visível da rocha que se estendia ainda dois metros para lá dos seus pés, retinha os murmúrios do apressado das águas. Deitado de costas na rocha lisa olhava para o céu onde flocos cinzentos claros de nuvens se recortavam no azul mais azul que ele conhecia: o céu de Lamadeiras.
Envolto por amieiros e encimado pelo velho e desativado moinho, o ribeiro criava um pequeno lago que refletia o verde escuro das folhas de carvalho que começavam a despontar naquela altura do ano. Era bom regressar aqui. Como se sentia em paz com o seu reino! Que bom era beber o ar das origens! Para que inventamos coisas quando a felicidade é tão pouco?

quinta-feira, 21 de março de 2019

O rosto




Risco no vácuo da distância
Linhas que contornam o desejo
O aprisionam num lampejo
Eterno que se esgota num segundo

Efémero, é verdade
Mas intenso, contendo o mundo
Por esses olhos onde brotam infinitos
Cadentes, brilhantes, desumanos

E nada para além deles existe
Pois mesmo nada mais é necessário

Tudo contido num imaginário
Rosto, fino, belo que existe!

segunda-feira, 11 de março de 2019

O caminho




E se um dia acordasse a primavera
Desdobrasse as rugas de fevereiro
Num canto arrumasse adventos
Outonos que ecoam eternamente
E no armário do passado os enterrasse

Verdes, calmos, desenharia caminhos
Suspensos por estrelas brilhantes
Que nem aurora nem destino indicassem
Nada, nada, nada.
Tudo seria uma viagem
Percorrida entre os equinócios esquecidos
Projetada no universo intemporal
Recortada pela luz do infinito
O caminho seria tudo!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Resiste



A nostalgia dos meses anteriores, a triste alegria, porque efémera, de quem antevê um futuro implacável, um prenúncio de cessação de direitos, um confronto com o real, indecifrável e invencível mundo que o esperava. Tudo isto criava em si um efeito anestésico das amarguras atuais. A raiva bloqueava os sentidos, limitava a dor e a revolta.
Do vento, uivando lá fora, que o frio trazia, nada esperava. No meio das mãos em concha, a ilusão, no som do sorriso, a emoção. Por trás dos silvos das serras, a lembrança, toda a que o infinito não apaga, perene, persistente e inabalável. Sabe-se, não se prescreve, resiste

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Do cume da incerteza



Mas até no recôndito limite da incerteza se encontram energias para alimentar a esperança. E essa vinha essencialmente, gratuita e inevitável, das leis da astrofísica. Os dias cada vez maiores, a neve a derreter no cume das serras, as frieiras a desaparecerem e o cheiro a Primavera a aproximar-se. Assim, grátis, servido pelos deuses sem contra indicações, surgiam os primeiros sinais de que o pior estava a passar. A primeira metade do ano em “exílio” estava a esgotar-se.