quinta-feira, 19 de abril de 2012

Fuga

 
"De uma prateleira para outra, pegando na garrafa, girando-a, lendo o rótulo com calma, assim Filipa se entretinha, à espera do voo que a levasse para Frankfurt e daí, com mais uma escala em Singapura, para Sidney. Sim, a Austrália era o seu destino.
Os rótulos das garrafas vendem esperanças, o vinho, pelo menos para quem dele sabe pouco, entra primeiro pelos olhos que pela boca.
Era este mundo que Filipa queria desvendar. Era este o seu novo Foco. Entrar pela vista para chegar ao coração. E, aí chegado, tornar-se uma referência.
Viajava para um novo continente, não como os degredados de antigamente. Pelo menos, não no sentido de estar a cumprir uma pena decretada por um qualquer magistrado. Mas não lhe era de todo indiferente o facto de estar a fugir de um emaranhado em que se tinha envolvido. Fugindo de tudo encontrar-se-ia a si própria. Esta era a sua esperança. Era este o motivo que a impulsionava e que sem hesitações a levou a aceitar de forma rápida e decidida o convite feito pela mãe.
Para trás deixava tudo. Todos os que tinha conhecido e com quem tinha convivido desde o nascimento. Para trás deixava nada."

Excerto do que há-de vir. 

Armando Sena


4 comentários:

trepadeira disse...

Uma fotografia linda a ilustrar um excelente texto.

Um abraço,
mário

Maria Manuela Amaral disse...

Por vezes, fugindo de tudo encontramo-nos a nós próprios. Outras vezes...não.

Gostei muito deste excerto!

Beijinhos
Manuela

Anónimo disse...

É fácil fugir de um lugar. Haverá forma, de fugir da nossa memória?

Rita Carrapato disse...

Onde nos conduz a fuga? Dou comigo a pensar muitas vezes.

Gosto deste excerto, Armando. É um pouco de todos nós. Quem não encetou já uma fuga para deixar tudo para trás?

Beijinho